segunda-feira, 22 de março de 2010

A Educação e o Civismo na Área de Projecto

De acordo com o que avancei na semana passada, em colaboração com a direcção do Jornal Moderno, decidi escrever um texto para a disciplina de Área de Projecto em que dou conta dos actuais problemas de educação e de civismo que afectam as nossas escolas. Aqui fica ele ;)!

Tal como divulgado no número anterior do Jornal Moderno, a turma do 12III decidiu abordar em cada mês deste ano lectivo um assunto inovador e pertinente na disciplina de Área de Projecto, que se inserisse no projecto curricular da escola “Sim, podemos mudar o mundo”. Em conjunto com o Professor Jorge Cardoso, a planificação do ano escolar foi feita em oito meses, de Outubro a Maio, tendo sempre em vista abordar um tema actual e controverso.


No passado mês de Janeiro, o assunto seleccionado foi o da educação, tanto a prestada nas escolas como em casa, bem como a questão mais ampla do civismo. Ainda assim, vários grupos do 12III decidiram aliar o tema de Janeiro ao de Fevereiro, que abordava a violência, criando assim um excelente pretexto para analisar a problemática do bullying.


No que respeita à educação prestada pelas escolas, é fundamental lembrar alguns recentes problemas de indisciplina ocorridos na sala de aula ou no exterior. Com efeito, ninguém deve ainda estar esquecido do incidente criado por uma aluna do 9.º ano na Escola Carolina Michaelis, no Porto, em Março de 2008, quando exigia à sua professora que lhe desse o seu telemóvel. O destaque que os meios de comunicação social conferiram ao tema, pouco depois de terem começado as férias da Páscoa, com a repetição incessante do incidente, faz com que em muitos dos nossos cérebros ainda ecoe a famosa exclamação “Dá-me o telemóvel, já!”. Mais do que constituir um meio de sátira na Internet, desde a venda de t-shirts em que a frase de exigência da aluna aparecia estampada, até à possibilidade de fazer download de uma música em que se ouviam as mais histéricas exclamações para toque de telemóvel, esta situação devia fazer-nos pensar no grande problema que hoje começa a surgir nas nossas escolas. Um autêntico barril de pólvora.


Se este incidente na Carolina Michaelis não provocou quaisquer danos físicos de monta, o mesmo já não se pode afirmar do que sucedeu no passado dia 2 de Março, em Mirandela, quando um estudante do 6.º ano se atirou ao Rio Tua. Sem informar os seus pais das pressões psicológicas que sofria dos seus colegas, o que pode evidenciar algumas dificuldades de comunicação em casa, e sendo vítima constante de bullying, o rapaz de 12 anos não terá suportado aguentar mais a humilhação de que era alvo, acabando por pôr fim à sua vida ao atirar-se a um rio que, já de si bastante acidentado, ainda possui maior força torrencial este ano, em virtude do Inverno muito chuvoso que temos tido. O corpo ainda não foi encontrado.


Poucos dias mais tarde, Portugal ficou ainda mais surpreendido com outro fenómeno invulgar, ocorrido numa escola do concelho de Sintra. Desta vez, já não eram apenas os alunos que exerciam pressões psicológicas sobre os seus colegas de turma, mas sim sobre os seus professores, o que não deixa de constituir uma situação muito grave. De acordo com o que foi tornado público no dia 12 de Março, um docente ter-se-á suicidado por não aguentar as afrontas que sofria numa turma de 9.º ano. Com efeito, os alunos apelidavam o seu professor de Educação Musical, que, muito provavelmente, encontrariam apenas uma vez por semana, numa aula de 45 minutos, de “gordo” e “careca”, entre outros adjectivos lamentáveis. Mesmo tendo elaborado queixas por escrito sobre alguns elementos em concreto dessa turma, por repetidas vezes, o Conselho Executivo da Escola tê-las-á ignorado, para seu desespero. Imagine-se o que poderia ter sucedido se, por acaso, leccionasse uma disciplina que exigisse um encontro de duas ou três vezes por semana, em aulas de 90 minutos, como, por exemplo, Matemática, com o 9.º B, turma que “evitava”.


Estas três situações, surgidas num espaço de tempo relativamente curto, deveriam lançar a discussão na sociedade da crescente indisciplina que se tem verificado na última década nas escolas. O que estará mal? Por que motivo os estabelecimentos de ensino são cada vez mais um espaço de indisciplina? Que formação estão hoje a ter os alunos menores de 18 anos em Portugal? Que geração será esta no futuro próximo?


Antes de mais, importa recuar um pouco no tempo para tentar encontrar uma explicação que justifique este despoletar de incidentes nos últimos anos. Surge-nos na mente, desde logo, a influência massiva que a comunicação social, e em particular a televisão, exerce sobre as crianças. Transmitindo-nos a sensação de que temos em formação nas escolas uma geração una, que imita um modo distinto de vestir, pensar, falar e agir, os media incutem nos jovens um estilo americanizado de um comportamento global e único. Na verdade, a crescente imitação que se procura fazer sobre vários modelos da nossa sociedade tem levado à criação de estereótipos, que contribuem cada vez mais para a sensação de que todos os nossos jovens nas escolas são iguais, sem excepção, apesar de essa ser uma ideia totalmente errada. Para esta situação contribuiu, em muito, a série “Morangos com Açúcar”, transmitida pela TVI desde a reentrée de 2003 e já na sua sétima temporada, bem como outros formatos que a concorrência tem procurado lançar, embora com menor sucesso. Não é por acaso que a faixa etária a que esta série se destinava, por excelência, era o período entre os 13 e os 18 anos, aparentemente para tranquilizar os jovens portugueses que os seus problemas são comuns à vida real de um adolescente. Contudo, a crescente integração de personagens mais novas na trama, após a sua estreia em 2003, tem permitido baixar a faixa etária a que se destina, por vezes até bem perto dos 10 anos. Apesar de a classificação do programa recomendar o acompanhamento parental para as crianças cuja idade ronda uma década de vida, quantos pais estarão ao lado dessas crianças quando assistem ao fenómeno dos “Morangos”?


Chegamos aqui a outro ponto crucial em todo este processo “bola de neve”: um fraco acompanhamento dos jovens em casa. Actualmente, muito por culpa do acentuado ritmo de vida que se vive, não só nas cidades mas também já um pouco no meio rural, os pais não conferem aos seus filhos a atenção devida, deixando-os entregues a si próprios durante grande parte do dia. Para muitos, chegar a casa perto das 19h00 e saber que os seus filhos, com 10, 11 ou 12 anos, estão a ver os “Morangos” até pode ser um alívio, uma vez que se encontram ocupados com alguma actividade. O maior problema surge, todavia, na falta de acompanhamento que estes pais conferem às suas crianças, o que as pode conduzir, alguns anos mais tarde, para comportamentos de risco. Ainda assim, esta atitude de distanciamento dos pais não ocorre apenas a partir dos 10 anos, mas sim muito antes disso. Com efeito, se logo nos primeiros anos e, inclusivamente, nalguns casos, nos primeiros meses de vida, as crianças são entregues a infantários ou creches, que contacto vão acabar por ter com os seus familiares mais próximos, se chegam a passar mais de dez horas por dia nesses locais? Efectivamente, grande parte da sua formação de base com pais e avós acaba por lhes ser vedada, crescendo antes com educadores de infância que, nos primeiros dias, lhes parecerão, muito possivelmente, meros “estranhos”. É certo que se deve fomentar a socialização entre crianças, mas para tal não bastará o ensino pré-escolar? Se muitos dos avós já se encontram aposentados, porque não conferir-lhes a educação dos seus netos durante parte do dia, se a família vive na mesma cidade, evitando assim um encargo mensal tão significativo com os custos associados às creches?


Outro dos problemas que surge na educação que as crianças do momento, futuros adultos, vão tendo é a organização de todo o sistema educativo. Na verdade, no 1.º Ciclo do Ensino Básico, verifica-se uma cada vez maior tendência para o início das aulas às 8 ou 9 horas e para o seu término pelas 16 ou 17. Para além de uma excessiva carga horária, saindo e entrando em casa à noite no Inverno, as crianças ainda são “afundadas” em trabalhos de casa, muitas vezes excessivos para a sua idade. Que tempo lhes sobra para brincar e gastar as suas energias? Efectivamente, talvez fosse mais acertado concentrar as aulas exclusivamente de manhã ou de tarde, ocupando-se depois a restante parte do dia nos tradicionais Ateliers de Tempo Livre (ATL) ou então em casa de familiares, numa hipótese mais positiva e mais saudável. Um dos outros problemas apontados a esta crescente indisciplina tem sido também a integração de alunos do 5.º e do 6.º ano com os seus colegas mais velhos do Ensino Secundário, podendo eventualmente ser vítimas de bullying. Muitos são os que defendem uma maior separação das crianças consoante as suas idades no sistema de ensino, o que só traz mais-valias para os alunos mais novos, ao gozar os seus escassos períodos de intervalo entre aulas longe de potenciais focos de instabilidade. Destaca-se ainda, uma vez mais, e especialmente a partir do 3.º Ciclo do Ensino Básico, uma excessiva carga horária no plano curricular destes alunos, bem como um número surrealista de disciplinas, que pode chegar às 16 com a Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) no 7.º e no 8.º ano.


Finalmente, importa ainda referir as sucessivas reformas da educação em Portugal, sem explicação aparente, que têm fomentado uma grande instabilidade no sistema de ensino. Com efeito, alguém entende por que motivo têm sido alterados os planos curriculares do Ensino Secundário, de quatro em quatro anos? Abrem-se e extinguem-se cursos, aumenta-se a carga horária em quatro blocos de 90 minutos – mais um dia de aulas – aos alunos do 12.º ano, extingue-se a base fundamental das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no 10.º ano, não se garantindo a sua aprendizagem antes do 9.º ano, e destina-se uma cada vez maior importância às disciplinas extra-curriculares, com a chegada da Área de Projecto ao ano terminal do Ensino Secundário há alguns anos… Por fim, vêm ainda as aulas de substituição, recentemente tornadas obrigatórias, o verdadeiro tormento dos alunos e, em particular, dos professores. Se no 5.º ano ainda se pode esperar que crianças de 10 ou 11 anos consigam estar sossegadas dentro da sala, no Ensino Secundário é já pedir demais. Não se entende por que motivo os alunos são obrigados a estar 90 minutos numa sala a falar ou a berrar, juntos em grupos, a ouvir música e a fazer tudo excepto o que se pretenderia – estudar, trabalhar – e deixando o professor em “vigilância”, que muitas vezes está a tentar trabalhar, “asfixiado” perante tal algazarra. Tudo isto por um mero capricho de que todos se encontrem dentro de uma sala de aula. Não seria mais adequado, no Ensino Secundário, encaminhar os alunos para um outro recinto da escola, ou para fora dela, ou até mesmo para casa?


Em suma, muito vai ter de mudar na educação nos próximos anos para se garantir um sistema de qualidade. Uma das peças chaves poderá passar por dotar as escolas de uma maior autonomia, de forma a poder resolver muitos dos problemas supra-citados com que se deparam todos os dias. Mas a resolução de toda esta panóplia de farpas estruturais não será possível sem um empenhamento de toda a sociedade, mas fundamentalmente dos pais, que deverão reflectir muito bem na educação que pretendem conferir aos seus filhos.


Quanto à temática do civismo, é quase óbvio que o empenhamento dos adultos na resolução de problemas na sociedade ou, pelo menos, nos relacionamentos com o respeito mínimo com os outros, está intimamente relacionado com a formação que lhes foi prestada. É utópico pedir a um adolescente sem regras nem princípios que, dez anos mais tarde, execute correctamente as normas de civismo que todos já ouvimos falar, mas que muitos não cumprimos. Desde o respeito pelo ambiente, ao cumprir escrupulosamente a deposição de lixo nos locais adequados, já com a reciclagem em vista, até às mais básicas regras de vizinhança num edifício ou num bairro, passando pelo respeito das regras de trânsito, todos os dias observamos que muitos são os que não conseguem cumprir sequer uma destas três premissas. Para a resolução deste caso estrutural, o investimento na formação de base das crianças que hoje nascem é fundamental. Contudo, as campanhas de sensibilização levadas a cabo todos os anos pelas mais variadas entidades são também um excelente mecanismo de reflexão para os adultos, que podem inclusivamente fazê-los mudar a sua atitude. E é isso que se espera que aconteça. Oxalá dentro de uma década metade dos problemas de educação e civismo estejam sanados.


Participa! Dá a tua opinião sobre o artigo e sobre as acções levadas a cabo na disciplina de Área de Projecto do 12.º ano! Visita o blog
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